quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

OAB denuncia suposto plágio em decisão para desapropriação famílias no Residencial Bacanga

Sandra Viana
Um suposto plágio que pode desabrigar cerca de 50 famílias. Segundo denúncia da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA), o texto da decisão que desapropriará moradores da ocupação Residencial Bacanga, bairro Mauro Fecury I, Vila Nova, é fruto de cópia. A decisão foi dada pelo juiz titular da 3ª Vara Cível de São Luís, Douglas Airton Ferreira Amorim, e deve ser cumprida a partir das 7h de amanhã. Ocorre que, analisando o texto, membros da OAB encontraram semelhanças com o conteúdo da obra "Aspectos fundamentais das medidas liminares", do autor Reis Friede, publicado pela Editora Forense Universitária. De acordo com a comissão da OAB, parte da decisão é cópia integral do trecho que vai da página 178 ao último parágrafo da página 194. A denúncia foi divulgada na tarde de ontem, em coletiva à imprensa, no auditório da OAB-MA. Ocupantes da área acompanharam a audiência.

O plágio teria sido feito a partir da terceira edição, revista e ampliada, do referido livro, publicada em 1996. "Tivemos dificuldade em encontrar a obra, que já não é editada, mas havia um único exemplar na biblioteca da UFMA", ressaltou o advogado e membro da Comissão da OAB, Rafael Silva, sobre como conseguiu a prova. "O magistrado não teve a preocupação de conhecer a realidade das famílias, nem de se inteirar da situação da área. Por outro lado, pudemos comprovar que houve a ciência do ato cometido ferindo dispositivos do Código de Ética da Magistratura", pontuou o advogado. Com base nesta acusação, a Comissão entrou com reclamação disciplinar na Corregedoria do Tribunal de Justiça para apurar a conduta do juiz; e com pedido de nulidade da decisão de desapropriação. O juiz teria cometido uma afronta ao ordenamento jurídico nacional", pontua o documento da Comissão da OAB.
Durante a audiência, as famílias se manifestaram e deixaram claro sua decisão de permanecer na área, apesar do medo. Maria Helena das Dores, 48 anos, desempregada, disse que não pretende sair do local. "Não tenho para onde ir", disse ela, que mora em uma casa de taipa de dois cômodos. Outra moradora apreensiva é a dona de casa Maria Joana Rumões, 55 anos, que mora também em uma casa de taipa com filhos, dois netos menores e um genro. Desempregada, ela sobrevive com a família do trabalho de lavradora. "Eu quero pelo menos um lugar para ficar. Já gastei aqui nessa casa e não tenho recursos", relatou. Segundo moradores, alguns tiveram gasto em torno de R$ 2 mil para erguer as pequenas casas de taipa.
Juiz não se pronuncia
O juiz Douglas Airton Ferreira Amorim informou, por meio da assessoria de comunicação da Corregedoria de Justiça, que não irá se pronunciar neste momento. Segundo a assessoria, não chegou às suas mãos comunicado oficial da acusação feita pela Comissão da OAB. Foi informado ainda que o juiz estaria se inteirando da denúncia e retomará sua decisão para analisar as comparações feitas pela Comissão que o acusam de plágio. A assessoria pontuou que é comum juízes utilizarem base de livros jurídicos para emitir decisões.
Proprietários alertam risco
A reportagem entrou em contato com a assessoria jurídica dos proprietários da área, que pertence ao grupo Sistema Difusora. Segundo o advogado Leonardo Gomes, o local abriga torres de transmissão e cabos coaxiais (que ligam torres e transmissores) responsáveis pelo sinal da rádio AM do Sistema. Tais equipamentos estão ali instalados há mais de 30 anos, em área adquirida por meio de compra, regularizada e adaptada para tal fim. Os cabos e fios das torres tomam todo o terreno e circulam o entorno, explica o advogado. Apesar de enterrados no solo a certa profundidade, alguns cabos já chegaram a ficar aparentes devidos às chuvas. "Isso pode causar risco de descargas elétricas como já tivemos um caso há 15 anos e a pessoa quis culpar a empresa", lembra Leonardo Gomes. A empresa, diz ele, foi procurada por lideranças comunitárias requerendo parte da área, no entanto, todo o risco foi informado. "Eles nos prometeram a retirada da área, mas vez por outra retornam", reitera o advogado. Segundo ele, esta é a 15ª vez que há indisposição com pessoas que "insistem em ocupar aquela área pondo em risco as próprias vidase nos colocando em situação difícil". O advogado informa ainda que a empresa procurou os caminhos judicias pela insistência das famílias e permanecer no local e a fim de evitar que ocorra acidentes graves. "Todos foram informados, advogado deles, os próprios moradores, a justiça. Há uma decisão que será cumprida e vamos reaver a área", pontuou.
Famílias de baixa renda
A área a ser desapropriada abriga cerca de 50 famílias. São 52 crianças, 13 adolescentes, 82 adultos e 5 idosos, totalizando 157 pessoas. A suspeita de plágio na decisão de despejo traz esperança àquelas pessoas. Em fevereiro último, equipes do Serviço Social da Defensoria Pública visitaram a área e, segundo relatório, foi constatado que ali residem famílias de baixa renda, a maioria dependente do Bolsa Família, cujos responsáveis são autônomos e têm renda de até um salário mínimo. As primeiras famílias chegaram no local em 2008, no entanto, a ocupação da área ocorreu de fato em maio do ano passado. Na área não houve a regularização do fornecimento de energia elétrica, nem de água potável, sendo que a população faz uso de poços artificiais. No local há cerca de 50 barracos erguidos, todos de taipa e barro. O relatório sugere que, caso haja desapropriação, que as famílias sejam amparadas com aluguel social e incluídas em programas de habitação popular.
Trechos plagiados
Segundo o documento da Comissão da OAB, o plágio iniciaria no primeiro parágrafo da página 03 da decisão (fl. 44 do processo) - trecho inicial, com o seguinte texto: "No caso específico da apreciação de medidas liminares, como leciona a doutrina mais moderna sobre o assunto, a decisão final pela concessão implica, necessariamente, a plena e total observância existente para a prolação final (...)" - e encerraria ao final do último parágrafo da página 15 da decisão (fl. 58 do processo) com o trecho: "(...) podendo até mesmo vir a constituir-se em instrumento capaz de produzir uma excepcional e teórica situação analógica de periculum in mora inverso contra a, em princípio, intangível acepção maior do Estado-Juiz." O total de conteúdo copiado totaliza 18 páginas. As modificações feitas, segundo apontou a Comissão da OAB, tiveram propósito de encobrir o plágio. "Decisões sem fundamentação construída a partir do caso concreto são passíveis de nulidade", justifica Rafael Silva.
O advogado aponta no ato do juiz crimes de violação do direito autoral e falsidade ideológica. Para Rafael Silva, o juiz "tentou, ao usar subterfúgios, induzir ao entendimento que a fundamentação seria dele" e incorreu em pelo menos dois crimes previstos no Código Penal. Em documento anexo, a Comissão aponta itens suprimidos como referências a autores citados no texto em contraponto à permanência dos conteúdos. A Comissão observou ainda o uso "cuidadoso" de conectivos e expressões que garantiriam "a fluidez e impressão de autoria". Entre estas, o documento cita as expressões "outrossim", "adoto o posicionamento de que" e "assim", e aponta uso de outros nas seguintes páginas: 5 ("logo", "ademais"), 6 ("nestes termos"), 7 ("hei de asseverar que", "ora"), entre outros exemplos, que segundo a Comissão configuram o plágio. 
Sem ter para onde ir
"Eu não sei o que vou fazer. Só tenho essa casa. Agora eles disseram que vão derrubar". O relato da dona de casa Gleiciane Irapuã Abreu, 24 anos, mostra o desespero de toda a comunidade do Residencial Bacanga. Amanhã será o dia mais difícil da vida, disse ela, sobre a desapropriação prevista.
Gleiciane mora em uma pequena casa de taipa com o marido e dois filhos - de 1 ano e outro de seis meses. Ela se disse surpresa com a notícia do despejo, pois, "já chegaram com a decisão, dizendo o dia e a hora da derrubada". Ela morava de aluguel e conseguiu construir a casa há cerca de um ano e meio. "Só estamos aqui porque não temos outro lugar", afirma. Diante do despejo iminente ela diz só ter "fé que a justiça vai impedir essa cena triste".
Fonte: http://migre.me/877FB

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